Campaña Latinoamericana por el Derecho a la Educación

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“Para garantir a expansão com qualidade, é preciso garantir o investimento de 10% do PIB em educação”

daniel caraPara Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação do Brasil, é fundamental que se cumpra essa meta. Ele defende energicamente que se destine 100% dos royalties do petróleo brasileiro para este fim, mas reforça que, ainda assim, o valor não seria suficiente. Outras alternativas incluem a contribuição social, ou o imposto, sobre grandes fortunas para financiar as políticas públicas de saúde e educação.

Abaixo, ele comenta o desafio do financiamento e outros mais para a educação brasileira. Fazendo um balanço de 2012, Cara acredita que foi um ano muito bom, destacando a aprovação dos 10% do PIB para a educação pública e a aprovação da lei das cotas sociais e raciais para ingresso nas universidades federais.

Quais são os maiores desafios à realização do direito à educação no Brasil?

Daniel Cara – Além da questão da qualidade, o Brasil ainda tem o desafio da ampliação de acesso. Existem no país 3,5 milhões de crianças e adolescentes, de 4 a 17 anos, fora da escola. Essa faixa etária se tornou uma referência importante porque, a partir da Emenda Constitucional (EC) 59, de 2009, que ajudamos a construir, a educação passou a ser obrigatória dos 4 aos 17 anos de idade. Portanto, temos uma população equivalente à do Uruguai fora da escola, que obrigatoriamente já deveria ter sido incluída. Também temos um desafio enorme relativo à inclusão nas creches. Temos hoje uma taxa de escolarização nas creches de 18,4%, que deveria ser de, ao menos, 50%. O prazo final para o cumprimento dessa meta foi adiado para o último ano do novo Plano Nacional de Educação (PNE), que tramita agora no Senado Federal. Ou seja, se o PNE for aprovado em 2013, a meta fica para 2022.

Junto com o acesso, outro desafio premente, talvez ainda maior, seja o da qualidade da educação e o Brasil está bastante distante de vencê-lo, tanto em relação à educação básica, quanto ao ensino superior. Além disso, o Brasil é um dos poucos países do mundo que tiveram ampliação de acesso à educação básica, sem que isso fosse acompanhado por um aumento equivalente de vagas no ensino superior. A geração que hoje tem entre 55 e 65 anos de idade no país tem praticamente a mesma taxa de escolarização no ensino superior que a população de 18 a 24 anos, o que demonstra que o Brasil, no caso do ensino superior, não conseguiu avançar em número de matrículas. Segundo relatório da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) de 2012, mas com dados de 2010, apenas 9% das pessoas entre 55 e 64 anos concluíram a educação superior no nosso país. Na faixa etária dos 25 aos 34 anos, o percentual não passa de 12%. Entre 18 a 24 anos, apenas 13% cursam o ensino superior. A Coreia do Sul, por exemplo, que tem 13% da população entre 55 e 64 anos com Ensino Superior, deu um salto: 65% entre 24 e 35 anos concluíram o curso universitário.

Em nossa luta pela aprovação do PNE, queremos resolver esses problemas de acesso, garantindo, ao menos, um padrão mínimo de qualidade, tanto na educação básica, quanto no ensino superior. E essa mudança seria alavancada pelo investimento equivalente a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país em educação pública. Segundo nossos cálculos, este valor corresponde aos recursos suficientes para garantir a expansão da educação com qualidade.

Que atividades recentes de mobilização social e incidência política da Campanha Nacional você destacaria?

Cara - A Campanha viveu um ano muito bom, provavelmente o melhor ano em seus treze anos de história. Coordenamos a incidência da sociedade civil para a aprovação dos 10% do PIB para a educação pública no novo PNE, colaboramos decisivamente com a aprovação da Lei das Cotas (Lei 12.711/2012) e, agora, defendemos a destinação de 100% dos recursos advindos da extração do petróleo e de outros minerais brasileiros, distribuídos entre a União, os Estados e Municípios, para a educação pública, compreendendo esse montante de dinheiro como alternativa para o financiamento do novo PNE.

Vale dizer que se não houvéssemos conquistado os 10% do PIB para a educação pública, o governo não estaria atualmente preocupado em destinar royalties do petróleo para o setor. Mas em termos imediatos, para a mudança da educação brasileira, creio que a aprovação da Lei das Cotas é a vitória de 2012 que mais rápido mostrará sua eficácia, alterando tanto a cara da Universidade, como a qualidade do ensino médio. Essa lei estava parada no Congresso Nacional desde 2008. Isso porque havia uma espécie de timidez tácita do governo Lula, depois mantida pelo governo Dilma, perante setores mais conservadores do Congresso Nacional, especialmente do Senado Federal. Entretanto, com a cassação do mandato do Senador Demóstenes Torres, que liderava o bloco conservador contra a aprovação da lei das cotas, e o reconhecimento da constitucionalidade das políticas de ação afirmativa pelo Supremo Tribunal Federal, criou-se um clima favorável para a atuação da Campanha Nacional, em favor da aprovação da lei. Vale ressaltar que nesse trabalho de incidência, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação apoiou o MSU (Movimento dos Sem Universidade), que é membro da coalizão. Por princípio, a Campanha nunca sombreia a atuação de um membro de sua rede.

Quais são as principais estratégias da Campanha Nacional para obter êxitos em seu trabalho de incidência política junto ao Poder Legislativo?

Cara - A Campanha tem pautas próprias, como o PNE agora, ou o Fundeb entre 2005 e 2007, e a implementação do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial), desde 2007, entre muitas outras. Além disso, apoia pautas que sejam determinantes para a consagração do direito à educação, mas que são lideradas por um de seus membros. Nesse caso, damos todo o apoio, mas não nos configuramos como protagonistas. Com as cotas foi assim, com o MSU à frente. Também foi o caso da luta pelo piso nacional salarial dos profissionais do magistério, pauta em que damos apoio à CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação).

Liderando ou apoiando a incidência sobre uma pauta específica, creio que 90% das nossas vitórias da Campanha Nacional se deem pela nossa pela intensidade. Temos presença constante no Congresso Nacional e parte da nossa capacidade de incidência se dá pelo uso de diversas estratégias. Toda atividade da Campanha gera ações de comunicação, pressão sobre as autoridades e articulação institucional, entre outras estratégias, para que diferentes atores se somem numa ação conjunta. Também temos forte capacidade de produção de conhecimento.

Criamos e estabelecemos estudos e argumentos técnicos. Produzimos textos e os mostramos aos parlamentares. Com isso, somos respeitados como especialistas na área de educação, especialmente no que diz respeito ao financiamento desse direito.
Debatendo nossos estudos com nossa rede, conseguimos formar atores sociais e políticos, engajando mais gente às nossas lutas. A soma de tudo isso e a forma como se realiza cada uma dessas etapas e estratégias se dá com muita intensidade e agilidade.

Respondemos com muita rapidez a qualquer decisão do governo, através de um posicionamento público ou entrevista na imprensa. Além disso, temos um mailing extenso que, além de incluir todos os deputados e a estrutura do Ministério de Educação (MEC), abrange boa parte dos Secretários Estaduais e Municipais de Educação, bem como jornalistas e lideranças sociais. Por isso, nossa capacidade de disseminar informações é muito forte, inclusive por meio das redes sociais. Mas essa atuação no mundo virtual deve se somar a uma mobilização física e presencial, como a que promovemos com relação à luta pelos 10% do PIB para a educação pública. Isso porque nossa experiência nos ensinou que não se pode acreditar na capacidade do governo para resolver sozinho os problemas e as questões polêmicas que estão presentes no Congresso Nacional relativas à educação. E, vale sempre lembrar, divergimos do Governo em muitos aspectos relacionados às políticas públicas educacionais.

Você poderia comentar um pouco melhor a incidência da Campanha Nacional frente à apreciação do projeto que previa destinar para a educação todos os recursos obtidos com o pagamento de royalties do petróleo à União, Estados e Municípios?

Cara – A Campanha Nacional conseguiu o que parecia impossível: derrubar um recurso que o Governo Federal havia apresentado, para que destinação dos royalties do petróleo para a educação fosse votada em paralelo ao PNE no Plenário da Câmara.

A tramitação e a aprovação do PNE, em sua primeira fase, foram feitas por meio de uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados, criada como um instrumento defendido pelo Governo Federal, mas negociado pela Campanha, para que a apreciação do Plano fosse célere, mas permitisse participação da sociedade. Essa negociação colaborou, inclusive, com a nossa vitória em relação à aprovação dos 10% do PIB para a educação pública, pois a participação social constrangeu os parlamentares.

Depois da nossa vitória por unanimidade na aprovação do PNE pela Comissão Especial, o governo apresentou o recurso mencionado, com o objetivo de postergar a aprovação do plano, colocando sua votação em paralelo à do projeto sobre os royalties. A ideia do Governo Federal era vincular as duas matérias, com a desculpa de que era necessário encontrar uma fonte de financiamento para o plano.

Contudo, ineditamente, conseguimos vencer esse recurso, fazendo com que os parlamentares que o haviam assinado, retirassem sua assinatura para que o PNE pudesse seguir diretamente ao Senado Federal. O governo ficou atônito com essa vitória da Campanha, porque jamais esperou perder sua capacidade de convencimento sobre os 80 deputados federais, que são daqueles altamente disciplinados e controlados pelo Poder Executivo. Meses depois, foi à voto a destinação dos royalties do petróleo para a educação. Nesse caso, em conjunto com o Governo Federal.

Infelizmente, perdemos. O que comprovou: se o PNE fosse apreciado em conjunto com os royalties, teríamos perdido tudo. Hoje há chance de a Lei do PNE recuperar todos os recursos advindos da exploração do petróleo, inclusive os royalties para a educação pública. Recentemente, em 3 de dezembro, a Presidenta Dilma editou uma Medida Provisória, que pode se tornar lei em até 120 dias, que supostamente destinou 100% dos royalties para a educação. Mas diferente do projeto anterior, derrotado pelo Congresso Nacional, na prática, não virá recurso algum. Novamente, vamos enfrentar o Governo Federal nessa questão. Vivemos nesse vai-e-vem, ora estamos na mesma linha de batalha que o Governo, ora estamos em lados diferentes.

Qual a atual agenda de mobilização social e incidência política da Campanha Nacional?

Cara - Continuamos com a pauta do PNE, que ainda será apreciado pelo Senado e, depois, novamente pela Câmara dos Deputados. Além disso, temos atuado no fortalecimento do direito à educação por meio da criação de leis e do estabelecimento de mecanismos de controle social sobre o cumprimento dessa legislação. Entretanto, ainda temos dificuldade de acompanhar a implementação dessas leis do modo como gostaríamos. Pretendemos também resolver a questão das fontes de financiamento da educação, já que a aplicação de 100% dos royalties do petróleo para a educação, até 2022, não será suficiente para completar a meta de investimento de 10% do PIB em educação. Precisamos de todas as receitas estatais do petróleo, além de outras. Estamos pensando, por exemplo, em trabalhar na perspectiva da criação de uma contribuição social ou um imposto sobre grandes fortunas, para financiar as áreas de saúde e educação pública. Mas, o mais difícil é fazer com que os parlamentares brasileiros infrinjam os interesses das 200 famílias mais ricas do país, aprovando um projeto como esse.

Quais foram as principais conquistas da sociedade civil brasileira até o momento, no que diz respeito à garantia do direito humano à educação no país?

Cara - Pela ordem, as principais conquistas foram: o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), que levaria à universalização da pré-escola e do ensino médio por meio da Emenda Constitucional 59, de 2009, e ambas as conquistas tiveram participação central da Campanha Nacional. Depois, a Câmara dos Deputados aprovou os 10% do PIB para a educação, uma reivindicação antiga, anterior à Campanha, que foi aperfeiçoada ao longo do tempo em termos de argumentação técnica, especialmente por meio da realização do nosso estudo de custo aluno-qualidade, amplamente discutido no país.
Este estudo, conhecido como CAQi, comprova que os 7% do PIB para a educação, previstos na antiga proposta apresentada pelo Ministério da Educação para o financiamento desse direito, por meio do PNE, apenas possibilitariam a expansão da educação, sem garantir um padrão de qualidade. Então ganhamos esse debate e também tivemos um enorme ganho com a aprovação da lei das cotas, sendo que todos esses avanços são alimentados por um sistema de conferências, como a Conferência Nacional de Educação (CONAE), que permite a participação da sociedade civil em todos esses processos.

Recentemente, a Campanha Nacional vem se articulando com outros países lusófonos. Como é esse programa de cooperação Sul-Sul e qual sua importância?

Cara - O Brasil vive certo isolamento linguístico na América Latina, por ser o único país onde se fala a língua portuguesa. Mas temos o portunhol, o Mercosul e uma história de relação e integração com nossos vizinhos. No entanto, os países lusófonos africanos vivem um isolamento muito mais grave, que lhes causa prejuízo em termos de participação política no contexto africano. Diante disso, a relação da Campanha Nacional com os países lusófonos tem sido muito franca, de troca de experiências. Acreditamos que espaço internacional deve servir para fortalecer os desafios nacionais. Então nesse trabalho, temos nos dedicado ao fortalecimento das campanhas nos âmbitos nacionais, buscando a criação de uma pauta comum entre esses países, para que haja uma incidência internacional no futuro, com demandas que contribuam para fortalecer o trabalho desenvolvido pelos diferentes foros de educação, em relação a suas realidades nacionais. Os países lusófonos compartilham essa visão. A participação na esfera internacional só faz sentido se servir ao âmbito nacional, que é onde se definem as políticas de educação.

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