CLADE e ICE rechaçam prêmio dado pela ONU ao presidente do México
Felipe Calderón foi homenageado por seu Programa de Estâncias Infantis para Mães Trabalhadoras, que representa um retrocesso à educação na primeira infância como um direito humano
No dia 27 de junho de 2012, as Nações Unidas concederam al Governo Mexicano o segundo lugar do Prêmio ONU ao Serviço Público, devido ao seu Programa de Estâncias Infantis para Mães Trabalhadoras, na categoria 5, de Promoção de Serviços que Respondem al Enfoque de Gênero. A Campaña Latinoamericana por el Derecho a la Educación (CLADE) y a Incidencia Civil en la Educación (ICE) do México se somaram a um repúdio já manifestado pelo Movimiento Ciudadano por la Justicia 5 de Junio, e outras articulações da cidadania mexicana, em relação à entrega desse prêmio ao governo de Felipe Calderón.
De acordo com as Nações Unidas, esse prêmio é "a recompensa internacional de maior prestígio à excelência da administração pública" e pretende ser um mecanismo para estimular "a excelência em um serviço público exemplar", já que “reconhece que a democracia e a boa governança se baseiam numa administração pública competente”.
Conceder esse prêmio ao governo mexicano pelo seu Programa de Estâncias Infantis para Mães Trabalhadoras é um retrocesso à consolidação da educação na primeira infância, entendida como direito humano fundamental, e reflete contradições no seio das Nações Unidas, que tem sido também promotora de inumeráveis instrumentos internacionais de defesa dos direitos humanos e de proteção ao interesse superior das crianças.
Os critérios para que uma "estância infantil" possa integrar o programa premiado indicam uma concepção de educação e cuidado à infância que desrespeita os direitos das crianças, na medida em que não contém fundamento político pedagógico e ético. Os critérios apontam que a formação necessária àqueles que estarão à frente do cuidado de crianças deve ser apenas o ensino médio completo e que o espaço físico necessário é de somente 2 metros quadrados por criança. Esses exemplos de critérios e a ausência de outros parâmetros substantivos e conteúdos dos direitos humanos na primeira infância demonstram que a exigência para integrar o Programa de Estâncias Infantis é praticamente nula.
Entendemos que a iniciação de programas como esse não responde nem a realização dos direitos das crianças, nem aos direitos das mulheres trabalhadoras, ao mesmo tempo em que ainda eximem o Estado de sua responsabilidade como garantidor de direitos. Programas de baixo custo que não respondem a critérios de aceitabilidade do direito humano à educação e que sejam dirigidos de maneira enfocada em setores que exigem menos investimento violam direitos ao invés de realizá-los e geram segmentação entre famílias de distintos níveis socioeconômicos, ampliando brechas e desigualdades. As várias normativas internacionais de direitos humanos que foram conquistadas ao longos dos anos são claras: "Toda pessoa tem direito à educação, sem discriminação".
Além das graves características do Programa de Estâncias Infantis para Mães Trabalhadoras, conceder esse prêmio internacional ao governo mexicano num contexto em que há três anos ocorreu a tragédia do incêndio na Creche ABC, do Estado de Sonora, que provocou a morte de 49 crianças com entre 0 e 5 anos de idade, é uma afronta à cidadania mexicana e à luta por direitos humanos no país, no continente e no mundo.
Finalmente, queremos destacar outro agravante do contexto em que se concede o mencionado prêmio: ainda que o presidenteFelipe Calderón tenha firmado em 2011 um decreto que aprovou a Lei Geral de Prestação de Serviços para a Atenção, o Cuidado e o Desenvolvimento Integral Infantil, também conhecido como Lei 5 de Junho, por ter sido impulsionada pelo Movimento 5 de Junio, integrado por mães e pais de crianças vítimas do incêndio na Creche ABC, cabe também deixar claro que até hoje não se deu início ao procedimento pelo cual deve ser elaborado e aprovado um regramento necessário para validar a lei, que por isso continua inoperante.
A CLADE, a ICE e as demais redes irmãs, assim como movimentos cidadãos que lutam pelos direitos humanos na América Latina e em Caribe, seguirão se articulando para que a educação na primeira infância seja plenamente reconhecida como direito humano fundamental e para que essa concepção se reflita coerentemente nas políticas públicas e nos programas que se desenvolvam.